> Domingo. Fim de jogo. Desliguei a TV, levantei do sofá, caminhei com passos arrastados até o quarto e tirei a minha camiseta do meu time para guardar no armário. Só a vestirei de novo em setembro, já que a temporada do Miami Dolphins acabou, mais uma vez, cedo demais.
Torcer para esse time de futebol americano é muito cruel, pois em algum momento da temporada ele te dá esperanças, te ilude e no fim é sempre a mesma coisa: decepção. Rogerinho do Ingá, apresentador do Choque de Cultura, tem razão quando diz que "golfinhos são mau-caráter".
No Diário de Bordo de hoje, eu vou chorar as pitangas por causa de um time em Miami que joga futebol com uma bola oval.
Câmbio!
...
Quando você é criança, você não pensa muito nas escolhas que você faz. O problema é quando você se torna um adulto e, no auge das suas faculdades mentais, se mantém fiel a essas escolhas.
O ano era 1996 ou 1997 (não me lembro mesmo qual deles) e eu assistia pela televisão - acho que na Sessão da Tarde - um dos filmes que consagrou Jim Carrey como um grande ator de comédia. Estou falando de "Ace Ventura: Um detetive diferente". Mesmo sem idade o bastante para entender metade das piadas, eu ri muito desse filme e o alugava na locadora perto de casa quase que toda semana.
Sem explicar muito, mas o filme é o seguinte: um mascote de um time famoso de futebol americano é raptado e o Ace Ventura, um detetive de animais, é contratado para revelar o mistério e recuperar o bicho. O mascote em questão era um golfinho, mascote do Miami Dolphins, time duas vezes campeão da National Football League, a NFL.
Toda a ambientação do filme foi o suficiente para eu decidir, com sete ou oito anos de idade, que eu era um torcedor dos Dolphins. Até aí, beleza. Não acompanhava o esporte e era só uma maneira que o Felipinho encontrou de se conectar com seu filme favorito da vez.
Salto no tempo. Vamos para outubro de 2013. Eu estava em um congresso acadêmico em Ouro Preto-MG e no hostel que eu estava hospedado, conheci um casal de franceses que estavam viajando pelo mundo, a Sarah e o Manu. Em uma noite, após chegar de um passeio pela cidade, vi que o Manu estava na sala comum assistindo futebol americano. Comecei a bater papo até que ele me perguntou se eu gostava do esporte que estávamos assistindo. Respondi a resposta padrão: "Não consigo entender as regras". Ele devolveu com outra resposta padrão: "Quando você passa a entender, você se apaixona pelo esporte".
Recebi uma aula em inglês afrancesado sobre as regras do futebol americano e resolvi acompanhar mais os jogos. As únicas coisas que eu sabia eram que o marido (agora ex) da Gisele Bündchen jogava num time bom, que o Super Bowl era o segundo de propaganda mais caro da televisão, que o U2 já havia se apresentado em um e que eu "torcia" para o Miami Dolphins.
A temporada seguinte, a de 2014/2015, foi a primeira que acompanhei com mais afinco. Fiquei tão fã do esporte que até ajudei a fundar e jogava por uma equipe em Várzea Paulista, os Blacksmiths. Um dia escrevo sobre essa história, aliás. Mas no fim das contas, aquele francês tinha razão, bastava eu entender as regras.
Mas nem tudo são flores e a única coisa que me impedia de ser realmente feliz com esse esporte era justamente o meu time. Não demorei muito para entender que os Dolphins não eram um time de elite, já que eram raras as vezes que seus jogos eram televisionados, diferente do seu rival New England Patriots (o time do marido, agora ex, da Gisele). Além disso, era um time bem ruim com jogadores bem ruins e um técnico bem ruim.
"Dolphins???", me perguntavam as pessoas que gostavam de futebol americano quando eu revelava minha predileção pelos golfinhos de Miami. Ninguém torcia para os Dolphins em um raio de pelo menos 6513 km a não ser eu.
Ano após ano, as coisas se repetiam. Início de temporada promissor, fim de temporada catastrófico. "Sabe como são os golfinhos, né? Eles sobem, fazem uma graça e depois afundam", zambava de mim Rodolfo Bueno, o Dolfo, torcedor fanático do até então imbatível Patriots.
Mas estranhamente meu amor pelo time do sul da Flórida não diminuía. "Deve ser mal de corintiano", pensei eu calculando a proporcionalidade do sofrimento com a devoção. E o amor aumentaria em 2016 quando fui assistir a um jogo in loco dos Dolphins contra o rival New York Jets, no Metlife Stadium, New Jersey.
Estava frio, chovendo e meu time estava com o seu principal jogador machucado. Mas eu não estava nem aí, eu estava realizando um sonho de ver um jogo da NFL no estádio! A minha sorte é que os Jets são tão medíocres - se não mais - do que os Dolphins. Resultado, vencemos o jogo e ficamos com chances reais de irmos para os playoffs oito anos depois da última vez. Bastava vencer o último jogo contra outro rival de divisão, o Buffalo Bills e a classificação estaria garantida para enfrentar o Pittsburgh Steelers.
E foi exatamente isso que aconteceu! Miami se classificou na bacia das almas e jogaria em Pittsburgh um jogo de playoffs. Eu estava em um intercâmbio na Filadélfia, uma viagem de quatro horas até o local do jogo. Usei parte do dinheiro que eu tinha para minha alimentação no intercâmbio e comprei um ingresso, a passagem e a hospedagem, eu paguei no cartão de crédito e deixei para o meu Eu do futuro lidar com isso. Eu tinha que estar naquele jogo!
Além da viagem tensa por causa da neve na pista, eu tive que dormir num desses hotéis de beira de estrada perto do centro de Pittsburgh, e digamos que conforto não era o lema daquele lugar. Mas para mim era só festa, pois no dia anterior ao jogo, os torcedores dos Dolphins "fecharam" um Hard Rock Café (um dos lugares que mais amo de visitar em viagens) e fizeram uma "Fan Party". O clima era de muita empolgação.
No dia seguinte, nos arredores do Heinz Field (hoje Acrisure Stadium), eu só não perdi os dedos das mãos devido ao frio por causa de um par de luvas que eu havia ganhado da Fan Party do dia anterior e de um saquinho de gel que, ao ser "quebrado", esquenta e que eu coloquei dentro das luvas. Um torcedor do Miami, vendo minha agonia por causa dos 2ºC, me ofereceu, em espanhol, uma bebida que, segundo ele, esquentaria até os meus ossos. Dei um gole generoso e senti o gosto de canela e a queimação descendo pelo meu esôfago. Vi Jesus Cristo! Era a Fire Ball, uma "canelinha" de gringo.
Dentro do estádio eu senti a hostilidade que dá fama aos torcedores fanáticos dos Steelers. Eles são "agressivos" e jogavam vaias para cima de mim a cada passo que eu dava. O ingresso que eu pude comprar foi bem no meio da torcida dos caras e embora houvesse um ou outro torcedor dos Dolphins, éramos a esmagada minoria.
Viagem perigosa, desconforto, frio, hostilidade... Nem as estatísticas contra e um Quarterback reserva me desanimaram. Nada abalava minhas esperanças de ver mais uma vitória dos golfinhos, a primeira em playoffs desde 2008. Isso durou até a primeira jogada do adversário. Resultado final, 30 a 12 para os Steelers. Fim do sonho e um mês comendo Cup Noodles.
Comecei a ser mais conservador com as esperanças nesse time, até que chegou a temporada de 2023/2024. Eu já estava empolgado com a contratação do Tua Tagovailoa - um jogador que todos prometiam ser enfim a solução para o time de Miami -, mas o que o time fez na temporada foi incrível. Melhor ataque da competição com direito a um 70 a 20 contra Denver e show de um dos melhores jogadores da liga, o Tyreek Hill. Para melhorar, a franquia trouxe a sua marca para o Brasil, fazendo Watch Parties oficiais. Era o momento certo para ser um torcedor dos Dolphins.
Na primeira Watch Party que aconteceu em São Paulo, a primeira oficial da NFL, eu fui vestido de Ace Ventura, óbvio. Era a maneira que eu encontrei de homenagear o personagem que me apresentou ao time que amo. Foi um jogo contra os Jets (sempre eles) e as chances de dar algo errado eram mínimas. E de fato não deu. Vitória fácil com direito a um vídeo que rola até hoje sempre que Miami enfrenta o rival de NY: uma interceptação retornada para Touch Down e nós, torcedores dos Dolphins, delirando.
Fomos para os playoffs outra vez! Esperanças renovadas, mesmo com o fim de temporada conturbada e algumas derrotas. Outra Watch Party, outra vez vestido de Ace Ventura! Até entrevista para a ESPN, canal responsável pelas transmissões da NFL no Brasil, eu dei. Teria sido mágico, se não fosse a sacolada que meu time tomou do Kansas City Chiefs, time do namorado da Taylor Swift. Mais uma vez a temporada acabava para gente.
Com a promessa de um jogo oficial da NFL aqui no Brasil eu voltei a ficar empolgado. Os Dolphins tem os direitos de marketing aqui e se somarmos 2 + 2, é obvio que eles serão o time escolhido para estrear em solo brasileiro. Não foram. Mas mesmo assim vivi um início de temporada mágico: eu estava lá, na Neo Química Arena, no primeiro jogo da NFL no Brasil entre Philadelphia Eagles e Green Bay Packers.
No final de semana pós jogo, eu fui até o Parque Vila Lobos em uma nova ativação da NFL. O Miami Dolphins estariam presentes com o seu mascote oficial e seria minha chance de realizar um “reencontro”. “Encontrei!! Encontrei o golfinho!”, dizia eu empolgadíssimo em cima do palco para participar de uma competição de comemoração de Touch Down. Comemorei em câmera lenta (como o Jim Carrey faz no filme) e abracei o TD, The Dolphin, mascote do time. Para coroar meu dia, ganhei uma camisa oficial dos Dolphins, a mesma que acabei de guardar no armário.
Ainda fico pensando na possibilidade do Miami Dolphins virem em setembro de 2025 jogar no Brasil. Já sabemos que a liga tem interesse em um novo jogo aqui, mas isso tudo é fruto da minha mente de torcedor.
E é em setembro de 2025 que minha cabeça tem que estar mesmo quando o assunto é Miami Dolphins, já que a temporada acabou para gente antes dos playoffs. As coisas andam tão mal pro nosso lado que, enquanto eu escrevia esse texto, vi uma notícia de que nosso principal jogador, o Tyreek Hill, declarou que pode estar de saída de Miami...
Mas eu conheço esse time. Mesmo com as advertências de Paulo Antunes, o torcedor mais consciente dos Dolphins - que já matou toda e qualquer manifestação de esperança dentro dele com a franquia de Miami -, eu vou me animar quando setembro chegar. E o meu time vai me iludir, tal qual a morena das anedotas, e depois vai me dar uma rasteira mostrando a realidade nua e crua de um time que não é mais do que um Guarani do futebol americano.
Golfinhos são mau-caráter!
Câmbio, desligo.
Conhecimento é conquista.
-FS
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