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Diário de Bordo #15 - Eu vi o filho de Deus no palco do Lollapalooza

Foto do escritor: Felipe SchadtFelipe Schadt

Meu primeiro show do Inhaler foi no Lollapalooza embaixo de muita chuva
Meu primeiro show do Inhaler foi no Lollapalooza embaixo de muita chuva

> Todos estavam encharcados, sobretudo eu que não me precavi e ignorei a máxima republicana de que “são as águas de março fechando o verão”.


Mas não era a primeira vez que a chuva seria minha companhia em um show. Eu até gosto da sua presença. Mas ela estava insistente ao ponto de interromper as apresentações do Lollapalooza nesta sexta (28).


Até que um milagre aconteceu. Quando o festival retornou com a programação, Elijah Hewson, vocalista da banda irlandesa Inhaler, entrou no palco. O sol até saiu para cumprimentá-lo. Não me espantei, afinal, ele é filho do próprio Deus.


Câmbio!


Quando eu ouvi o vocalista do Inhaler pela primeira vez, foi como ter o privilégio de voltar a um passado que não me pertence e ver o seu pai em sua plena juventude. Elijah Hewson é o terceiro filho, de quatro, de Paul David Hewson, ou Bono, o líder do U2.


Eu confesso que só me rendi à banda de Eli por causa do seu parentesco com Bono, meu ídolo maior. Para minha surpresa, o Inhaler era uma banda muito boa e caiu nas minhas graças com muita facilidade. É verdade que minha idolatria pelo pai me empurrou para os braços do filho, mas se não fosse a boa música eu não ficaria e não me tornaria fã.


Depois de três anos ouvindo suas músicas, veio o anúncio que eu já previa: Inhaler no Lollapalooza 2025! Fiquei tão eufórico quanto fico quando a banda do pai - U2 - anuncia seus shows. Claro que não pensei em nada. Comprei meu ingresso tão no impulso que não me atentei que o show seria num dia útil. Mas para falar a verdade, eu compraria mesmo consciente disso. Eu não iria perder esse show.


    A chuva era iminente e as nuvens carregadas escureceram o céu da tarde paulistana
A chuva era iminente e as nuvens carregadas escureceram o céu da tarde paulistana

O departamento meteorológico não precisaria dizer uma única palavra. Os céus na região de Interlagos já diziam quem seria a convidada especial da tarde: a chuva. Eu fui mais rápido e cruzei os quase 1km da entrada do autódromo até o palco reservado para a apresentação dos irlandeses.


Mas chegar antes da chuva não significa fugir dela. No telão, a mensagem reforçada pelo locutor do palco: “afastem-se das estruturas metálicas, risco de acidentes devido a condição meteorológica”. Ou seja, saia de perto do palco para não morrer eletrocutado por causa de um raio. “Os shows foram interrompidos e voltarão assim que as condições melhorarem”, completou o locutor.


A tempestade era tão iminente que, no palco ao lado, Jovem Dionísio (aquela banda que ficou famosa com o “Acorda Pedrinho” e o “Cê reparou que me arrumei? Ó to bonitinho”) teve seu show interrompido quando tocavam um cover de “É preciso dar um jeito meu amigo”, de Erasmo Carlos (hit por causa do filme “Ainda Estou Aqui”).



Shows interrompidos, sinal de perigo nos telões e apreensão entre os fãs
Shows interrompidos, sinal de perigo nos telões e apreensão entre os fãs

Quem daria um jeito, meu amigo? Só um milagre pararia a chuva que já começava a dar seus sinais. Eu, macaco velho e com muita quilometragem rodada em shows, fui buscar abrigo. Eu sabia que não ficaria na grade do palco e nem queria, então fui me abrigar da chuva e esperar o show retornar seco.


Mas o macaco velho com quilometragem alta aqui agiu como um menino ansioso. Não quis esperar na tenda que encontrei de abrigo. Fiquei com medo do show começar e eu perder o começo. Deixei a ansiedade me vencer. Aliada a isso, minha memória afetiva com a chuva em shows gritou para mim: "vá se molhar, seu covarde".


Foi no mesmo mês de março, só que de 2023, que tomei uma das maiores chuvas pré show da minha vida. Foi em uma apresentação do Coldplay no Morumbi. Só não foi a maior chuva que tomei, porque no Rock in Rio - também para ver Coldplay - fiquei molhado até os ossos. Ah… curiosidade: faz exatamente dois anos do dia que o Chris Martin me deu seu violão. Mas você já sabe dessa história (se não sabe… um dia eu conto).


Lá estava eu, na frente do palco no qual o Inhaler iria tocar, completamente encharcado. Meus óculos de grau embaçados, atrapalhando qualquer chance de ver algo. Com o passar do tempo, o medo do cancelamento do show crescia. O Lolla é um festival com muitas bandas e extremamente rígido com seu cronograma, e o relógio já apontava para quase meia hora de atraso. Enquanto isso, a chuva não dava trégua, porém, como um estóico de primeira ordem, recebi a chuva sem reclamar e tentei aproveitar o presente de grego da natureza.


Ensopado
Ensopado!

Até que o medo de não ter o show foi empurrado para fora com os rodos que a equipe de limpeza empunhavam para secar o palco. As lonas que protegiam os instrumentos foram retiradas e tudo estava sendo preparado para o reinício das atividades. Mas o alívio só chegou de verdade quando, no telão, o nome da banda apareceu.


A maioria das pessoas ali não estavam nem aí para o quarteto de Dublin. Elas queriam ver o Jão. Uma moça com um chapéu vermelho olhou para mim e perguntou "Você veio para ver essa banda aí?", eu respondi que sim e ela emendou: "E o Jão, você vai ver também?", eu respondi que não. "Fica aqui na minha frente então para você ver melhor", ela disse dando um passo para trás. Eu já estava num bom lugar, mas o gesto dela foi muito maior do que o passo que dei para mais próximo do palco.


Equipe fora de cena, gritos estridentes das fãs e lá estava ele com uma camisa azul escura com detalhes em amarelo e uma bandeira do Brasil no peito. Elijah Bob Patricius Guggi Q Hewson, vocalista da banda irlandesa mais promissora depois da banda de seu pai, acenando para o público. Prejudicado pelos óculos embaçados, vi as coisas meio distorcidas, mas mesmo assim vi o suficiente para ser transportado para uma época no qual eu nem tinha nascido.


Era como se eu tivesse a oportunidade de conhecer o Bono de Boy (primeiro álbum do U2). A semelhança é assustadora. Diferente do pai, Eli toca guitarra além de cantar, mas ainda sim sua performance como front man lembra muito a do jovem Bono da primeira metade dos anos 1980. Mas a experiência "transtemporal" ficou completa quando ele abriu a boca e começou a cantar. É a mesma voz, acredite em mim. Bom, e é como dizem: a pêra não cai longe da pereira.


Bono e Elijah (Reprodução: Blog Sombras e Árvores Altas)
Bono e Elijah (Reprodução: Blog Sombras e Árvores Altas)

Eu só não sabia cantar três músicas do setlist de quase uma hora de show. Todas as outras cantei a plenos pulmões que trabalhavam muito para se manter saudáveis devido as costas molhadas. O resultado desse esforço conjunto entre cordas vocais e alvéolos pulmonares foi uma voz rouca e um pouco de tosse que eu sentiria minutos depois do fim do show. Enquanto ele rolava, aliás, vi uma mulher que aparentava ter seus mais de 40 anos. Ela estava acompanhando a filha que esperava pelo show seguinte. "Você não conhece o vocalista, mas sabe quem é o pai dele!", falei alto. "É o Bono, do U2", completei orgulhoso e ela devolveu: "Bonito e talentoso igual ao pai".


Não escondi nenhum minuto que eu estava ali também pelo Bono. Entre uma música e outra eu gritava coisas como "Orgulho do seu pai!", "Tal pai tal filho", "filho de peixe, peixinho é" e as fãs do Inhaler, que muito provavelmente não amavam U2 como eu, eram obrigadas a concordar comigo.


Mas eu também fiz minha graça para o Eli. "Que homem!!", "Eli, me engravida!", "Ele é gostoso demais!" eram meus berros entre uma música e outra. E todas as meninas ali, fãs ou não da banda, concordavam comigo. Até que num raro momento de silêncio eu disse: "Alguém tem que puxar um 'lindo, tesão, bonito e gostosão'". As meninas olharam para mim e disseram que eu era quem deveria puxar o coro. Puxei, o Eli ouviu a comoção, não entendeu nada, acenou e voltou para seu lugar na frente do microfone.


O show estava tão divertido que nem percebi que a chuva havia parado. Só fui notar quando vi que o sol surgiu entre as nuvens e iluminou o palco. O milagre que eu esperava aconteceu. Não me surpreendi nem um pouco justamente por Eli ser filho de quem é.


    O milagre meteorológico de Elijah Hewson
O milagre meteorológico de Elijah Hewson

Em 2011, no dia 09 de abril, não parava de chover no Estádio do Morumbi. Na "Garra", palco estratosférico da turnê U2 360º, tudo estava molhado para combinar com os fãs ensopados. Como era o meu primeiro show do U2 da vida, poderia estar chovendo canivete que eu não iria me importar, mas juro por Bono, assim que ele subiu no palco a chuva parou imediatamente e não caiu mais nenhum pingo d'água naquela noite.


Isso voltou a acontecer em 22 de outubro de 2017, com o mesmo U2 no mesmo estádio do São Paulo Futebol Clube. Dessa vez, era o show da turnê de comemoração dos 30 anos de The Joshua Tree e eu estava muito mais preocupado do que a minha primeira experiência lá de 2011. Eu estava com um cartaz de papelão no qual eu pedia para o Bono que me desse seus óculos e se chovesse, meu cartaz iria esfarelar. Bom, adivinha o que aconteceu? Quando a banda se preparava para subir no palco a chuva parou, pude mostrar meu cartaz a vontade e o resto é história (se você não sabe o que aconteceu, também conto essa um dia).


Mas não é por causa desses milagres meteorológicos que eu chamo o vocalista do U2 de Deus. A relação é outra. É uma brincadeira muito séria relacionada à minha idolatria pelo irlandês. Seu livro de memórias, por exemplo, eu chamo de Bíblia. No meu universo, Bono é o senhor. E se ele assim o é, seu filho não poderia ser um mero mortal para mim.


Fim de chuva e fim de show, e eu em estado de êxtase puro. Olhei para o palco vazio agraciado de poder ver a banda que eu queria apesar do perrengue. Pensei em muitas coisas, entre elas uma que não gosto de pensar. Um dia - e muito em breve - o U2 não existirá mais. Talvez - espero eu, pois quero viver muito - eu tenha que viver em um mundo sem Bono e sua banda. Portanto, minha busca por um substituto já começou há tempos.


O Coldplay é o substituto natural, tão natural que uma vez, no dia 1º de dezembro de 2014, o Chris Martin teve que substituir o Bono - afastado por problemas de saúde - em um pocket show com o U2 em Nova York em uma ação da RED em prol da luta contra a AIDS. Na ocasião, o vocalista do Coldplay usava uma camiseta escrito "SUBSTITU2" enquanto cantava With or without you e Beautiful day. Porém, eu também sei que logo menos a banda de Chris Martin irá dar uma bela pausa. Eles já anunciaram que pretendem parar de fazer álbuns quando atingirem a marca de 12 discos lançados. Já se foram 10.


Minha busca por alguém para idolatrar pode soar patética - porque é -, mas sou um sujeito movido a paixões (contrariando todo meu estoicismo) e, fiel às minhas inclinações, preciso de alguém para seguir. Ontem, alí na frente do palco com o tímido sol de final da tarde batendo em minhas costas molhadas, eu havia encontrado o que eu procurava. Fiz o sinal da cruz e disse baixinho: "Em nome do Bono, do Elijah e da Música Santa. Amém".


Câmbio, desligo.


Conhecimento é Conquista! -FS


 
 
 

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