
> Exatamente um mês após Elon Musk chacoalhar as discussões políticas após ter feito a saudação nazista na posse de Donald Trump, Steve Bannon, ex-assessor do presidente norte-americano e um dos grandes nomes da ultradireita mundial, repetiu o gesto do bilionário da Tesla e saudou seu público em uma convenção de conservadores com a mesma saudação nazista.
Enquanto boa parte das pessoas denuncia o gesto, outra parte se esforça para dissociar o braço esticado com a palma da mão para baixo com o que faziam os nazistas. Mas o olhar que eu tenho disso tudo é que os simpatizantes do nazifascismo perderam completamente o medo de serem nazifascistas e isso, caro leitor e cara leitora, é muito assustador.
Uma das minhas memórias da escola era eu pegando meu lápis para desenhar na carteira. Era muito comum você deixar uma marca na mobília escolar. Alguns escreviam frases engraçadas, outros aproveitavam para escrever palavrões de diversos calibres e tinha até mesmo aqueles que deixavam desenhos dignos de uma nota alta na aula de artes. A única coisa comum entre as pichações era o "anonimato".
Todo mundo sabia quem escrevia o que, na verdade, mas ninguém assumia. A graça estava na fama velada de quem ousava rabiscar a mesa. Eu não me orgulho de ter pichado cada uma das mesas que sentei durante parte da minha vida escolar, mas me orgulho muito do que eu deixava registrado na carteira: uma suástica dentro de um círculo com uma faixa transversal de "proibido".
Não me pergunte como ou quando, eu não me lembro, mas eu sempre soube que aquele símbolo significava algo ruim que deveria ser combatido. Quando eu desenhava minha versão proibitiva, queria deixar claro que tinha alguém naquela escola que não gostava de nazistas.
Mas na minha época, saber que o nazismo era ruim era uma obviedade. Não existia nenhuma discussão ou relativismo acerca da suástica e do que ela representava. Era ruim e ponto. Por isso, ninguém defendia o contrário ou, pelo menos, não tinha coragem de fazê-lo.
O nazismo sempre me intrigou e virou meu objeto de estudo na pós-graduação em História que cursei na PUC-SP. Eu queria saber como um baixinho (ele nem era tão baixinho assim) austríaco com um bigode esquisito convenceu tanta gente. Isso me obrigou a ler muito sobre o tema e montar uma biblioteca particular com exatos 30 livros que falam sobre o assunto. E foi nesse momento que minha repulsa dos seguidores de Hitler aumentou exponencialmente.
Poucos anos depois, surgiu uma discussão que eu nunca tinha visto na vida, a de que o nazismo era um movimento político de esquerda. Eu fiz uma postagem no facebook no qual empilhei os livros que eu tinha lido sobre nazismo e provoquei: "Sabe o que eu encontrei nessas minhas leituras? Muita coisa, mas nunca (nunca mesmo) encontrei nenhuma menção ou dica de que o Nazismo teria sido um movimento de esquerda" e junto disso, frases do próprio Hitler condenando o marxismo e pregando uma caça aos comunistas na sua biografia, Mein Kampf (Minha luta). Mais de 17 mil compartilhamentos e a primeira vez que viralizei nesta terra virtual.
Na postagem, que foi deletada pelo Facebook meses depois - por causa do link que deixei que dava acesso ao Mein Kampf, naquela época já de domínio público -, eu percebi o total desconhecimento das pessoas sobre o que era o nazismo. Isso me preocupou, principalmente quando via um ou outro ataque a mim, travestido de resposta à minha postagem, relativizando o movimento liderado por Hitler.

Anos mais tarde, uma notícia me deixou chocado. Um homem chamado José Eugênio Adjuto, produtor rural em Unaí, noroeste de Minas Gerais, estava sentado em um bar lotado portando uma faixa no braço com uma suástica. O que me causou total espanto foi a tranquilidade que aparentava estar. O que me causou revolta foi a passividade de todos em volta dele. Foi nesse dia que proferi a primeira vez a frase "eles perderam o medo".
Por que perderam o medo? O caso do homem de Unaí aconteceu em 2019, no primeiro ano de governo de Jair Bolsonaro e você sabe que não é uma coincidência. Não estou dizendo que o Bolsonaro seja um simpatizante do nazismo, mas que a direita e extrema-direita que ele representa é. Sua eleição deixou pessoas como José Eugênio à vontade para sair do armário.

Segundo levantamento feito pela CNDH (Conselho Nacional dos Direitos Humanos) em abril de 2024, as células de grupos neonazistas cresceram 270,6% no Brasil no período entre janeiro de 2019 e maio de 2021, se espalhando por todas as regiões do país.
“Esse fenômeno teria sido impulsionado pela disseminação dos discursos de ódio e de narrativas extremistas. Sem punição, eles se propagam com mais facilidade”, diz a pesquisa.
E esse medo está cada vez menor graças a pessoas midiáticas como Elon Musk e Steve Bannon que, com seus gestos e saudações nazistas, deixam os simpatizantes desse horror político confortáveis para defenderem, se posicionarem e serem nazistas.
Teve até um caso essa semana de um menino no Rio Grande do Sul que ficou tão à vontade com o clima pró-nazismo que achou de bom tom desenhar no rosto a suástica no dia da sua colação de grau. Ao ser proibido pela universidade de receber o diploma na solenidade, ele se defendeu dizendo que se tratava de um símbolo hindu. Eu já escrevi sobre essa tática de tentar dissociar símbolos nazistas do nazismo e se você quiser ler, clica aqui.

Ainda sobre o aluno, ele foi convencido a tirar o símbolo do rosto, mas sofrerá algumas consequências graves, como por exemplo vários boletins de ocorrência contra ele e sua atitude, uma vez que apologia ao nazismo é crime no Brasil, conforme a Lei 7.716/1989. Mesmo alegando se tratar de um símbolo hindu, funcionários da universidade relatam ter encontrado várias pichações com a suástica nas mobílias do campus e o principal acusado de fazê-las é ele. E não eram suásticas com o sinal de proibido.
Sem contar os inúmeros casos de manifestações neonazistas principalmente nos EUA. Em novembro de 2024, um pequeno grupo de manifestantes mascarados, agitando bandeiras nazistas e usando símbolos da supremacia branca em suas roupas, marchou no lado de fora de um teatro em Michigan durante uma apresentação de “O Diário de Anne Frank”, jovem vítima do holocausto.
E tudo isso às vésperas das eleições na Alemanha que pode colocar a ultradireita no poder do país. Amanhã (23) é dia de eleição para mais de 60 milhões de alemães que precisarão definir quem irá compor o Bundestag, o Parlamento Alemão. As pesquisas apontam para uma expressiva votação do AfD (Alternative für Deutschland - Alternativa para Alemanha), de Alice Weidel, líder do partido que tem em sua grande maioria simpatizantes do neonazismo.
Caso a AfD ganhe maioria amanhã e consiga uma coalizão para formar maioria no Parlamento, podemos ter uma ultradireitista como primeira-ministra da Alemanha. A última vez que o país teve um primeiro-ministro de extrema-direita foi em 1932 e se chamava Adolf Hitler.
Segundo pesquisas divulgadas pela Deutsche Welle, a AfD foi o segundo partido mais votado entre os jovens alemães entre 16 e 24 anos nas últimas eleições. Fato que preocupa a sociedade civil e instituições que sabem bem os horrores que o nazismo causou e que partidos como o Alternativa para Alemanha podem causar. Por isso, várias ações começaram a pipocar no país para tentar conscientizar a juventude que não viu e nem sofreu os reflexos de um governo nazista.
Um grupo de professores criou um projeto chamado "Professores fortes, alunos fortes" que visa criar aulas sobre democracia que alertem a juventude para os perigos dos regimes ditatoriais e autoritários. Outra ação está sendo realizada por alguns times do futebol alemão. Clubes como Borussia Dortmund, Schalke 04 e Mainz 05 estão incentivando seus torcedores, seja com mensagens em seus uniformes ou nas redes sociais, a votarem em partidos democráticos.

O nazismo é a maior ferida aberta na Alemanha. Recentemente, na Eurocopa de 2024 que aconteceu no país, pude presenciar a preocupação dos torcedores em não se associarem aos apoiadores do AfD. Isso porque, o partido de Alice Weidel, estava usando as cores da bandeira nacional como as do partido, muito similar o que os bolsonaristas fizeram aqui no Brasil com a bandeira e as cores nacionais. Escrevi sobre isso também e se você quiser ler, clica aqui.
Elon Musk, um mês antes de fazer o gesto nazista, esteve em uma live com Alice Weidel e disse que o futuro da Alemanha era o partido de ultradireita. Nessa mesma conferência, apoiou que "o passado tem que ficar para trás", uma alusão a esquecer o que foi feito, coisa que o governo alemão nunca quis, pelo contrário. O país faz questão de se lembrar sempre do que o nazismo fez e o trauma alemão serve para que a história nunca se repita, mas pelo visto, esse escudo moral está prestes a despedaçar.
Segundo o jornal alemão Bild, aconteceu hoje (22) na capital Berlim, com a presença de neonazistas, um dos protestos da extrema direita, no bairro de Mitte, em defesa do AfD. O jornal relatou "confrontos violentos" entre a polícia e os manifestantes.
O livro "Ele está de volta" de Timur Vermes conta uma história fictícia no qual Hitler acorda no tempo presente e precisa se adaptar à realidade do século XXI. Esse livro, que é bem humorado, aliás, deu origem a um filme de mesmo nome. O longa metragem segue o fluxo do livro mas é na sua cena final que me segurei no sofá de medo. Cenas de bastidores mostram o ator Oliver Masucci - famoso pela sua participação na série Dark -, intérprete de Hitler, passeando pelas ruas alemãs trajado como o ditador e sendo saudado com gestos nazistas em plena luz do dia. O ator, assistia atônito o estímulo macabro da presença de seu personagem.

Em 8 anos, a ascensão do nazismo ao poder completará 100 anos. Antes eu tinha dúvidas, agora eu tenho quase certeza de que eles voltarão aos holofotes em menos de um século. Eles perderam o medo e isso deveria te assustar.
Conhecimento é conquista.
-FS
P.s.: A vantagem de grupos de extrema e ultradireita estarem assumindo os símbolos nazistas, é que isso enterra de vez a discussão absurda de que o movimento de Hitler foi algum dia de esquerda.
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