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Foto do escritorFelipe Schadt

Quem dera se todos fossem fortes, Samy


Samy Fortes em sua palestra no TEDxJundiai, em 2023. (Foto: Leo F. Luz / TEDxJundiaí)
Samy Fortes em sua palestra no TEDxJundiai, em 2023. (Foto: Leo F. Luz / TEDxJundiaí)

> Na última sexta-feira (3), faleceu, aos 48 anos, Samy Fortes, mulher transsexual, fundadora do projeto CAIS Jundiaí (Centro de Apoio e Inclusão Social para Travestis e Transexuais), do cursinho popular Educatrans e ativista dos direitos da comunidade LGBTQIAP+. 


Minha história com a Samy é de um admirador, nada mais do que isso. Vi de longe sua luta, mas tive a oportunidade de presencia-la em um dos grandes momentos de sua carreira, no palco do TEDxJundiaí em 2023. Como nunca tive a oportunidade de conversar com ela com mais profundidade, presto minha homenagem aqui, no espaço que me cabe, para dizer a ela o que eu gostaria de ter dito.


"Samy, preciso te confessar uma coisa. A primeira vez que eu te vi, foi na faculdade onde eu trabalho como professor. Na ocasião, eu era editor de vídeo do estúdio do curso de Comunicação Social e você foi uma das personagens que os alunos levaram para uma entrevista sobre o tema homofobia. Não vou me lembrar dos detalhes da sua entrevista, nem ao menos datas precisas, mas tem algo que não esqueço.


A forma como você falava foi substancialmente marcante para mim. Uma fala tranquila, quase mansa, que carregava o peso das histórias que viu e viveu. Era tão contrastante que chegava a confundir. Ao mesmo tempo que você esclarecia, você foi capaz de me fazer sentir culpa.


Foi depois da sua entrevista que percebi o quão preconceituoso eu ainda era. Pra mim, bastava não ser homofóbico que já estava de bom tamanho, quando na verdade aprendi - com um empurrãozinho seu - que também era necessário combater a homofobia.


Na segunda vez que te vi, mais consciente sobre essa luta, foi num evento promovido pelo Movimento Aliados, no complexo FEPASA, em Jundiaí. Ao lado da minha companheira, Carol Brotto, assisti com muita atenção você falar de um projeto que dava assistência para mulheres trans e travestis em situação de vulnerabilidade. Você falava do CAIS.


Mais uma vez, tive outro choque de realidade. Não bastava não ser homofóbico e lutar contra a homofobia, ainda existia uma camada que ninguém via, mas você já enxergava há muito tempo: tornar visível pessoas que são invisibilizadas pelo conservadorismo e preconceito. 


Todo mundo que mora em Jundiaí sabe que mulheres trans e travestis são vistas apenas no escuro da noite do centro da cidade. Você jogou um holofote nessa questão e mostrou o óbvio: "Os mesmos que condenam e matam nossos corpos à luz do dia, são os que nos procuram na calada da noite para satisfazer seus fetiches pessoais".


Na escola em que eu trabalhava, nós ganhávamos cestas básicas e eu, como felizmente não necessitava, queria doá-las para alguém. A Carol conhecia muito bem o seu trabalho e fez a ponte entre nós. Regularmente eu levava até a sua casa a caixa de alimentos que você distribuía para suas "manas". Um dia você me contou, ali no portão de sua casa, a história de uma delas. Não chorei na sua frente, mas chorei no carro voltando pra casa.


No ano seguinte, fui convidado pelo Rafael Testa e pela Tainan Franco para participar da organização do TEDxJundiaí. A surpresa maior foi quando descobri que você era um dos nomes que eles faziam questão de estar na estreia do TEDx na cidade. Felizmente você topou e pude me conectar um pouco mais com você e sua história.


Você viu o que você causou na sua palestra, não é? Todos pararam o que estavam fazendo para te ouvir. Até eu, que não podia ficar parado - pois lembre, eu estava na organização -, parei e fui lá para o fundo da plateia ouvir a voz calma, quase mansa, carregada do peso do que você viu e viveu.


Você abriu seu coração e contou sobre sua infância sofrida em Porto Alegre e de como era difícil se encaixar em um corpo que não representava o que você era de fato. Falou das violências que sofreu, das incertezas que viveu e do medo que passou. Mostrou para todo mundo - e todo mundo mesmo, já que sua palestra foi parar no canal oficial do TED Talks - que enquanto houver existência, você e sua comunidade serão resistência. Dá para contar nos dedos quem não se emocionou com sua fala naquele 20 de outubro.


A sua história é motivadora. A sua luta é necessária. E como você é querida, Samy. Sua partida deixou muita gente triste, um vazio incômodo. Li muito a frase "Samy, presente", mas me lembro de uma coisa que você falou: "Tenho pressa, pois tenho muito trabalho a fazer". Não precisava ter tanta pressa assim, poderia ter ficado mais, mas o câncer que você enfrentou bravamente, infelizmente não deixou você esticar mais sua presença.


Você pode não estar presente, afinal, na conta do tempo, você já é passado. Mas seu legado pertence ao futuro e "a melhor maneira de prever o futuro é criá-lo". Você criou um futuro possível para tantas mulheres trans e travestis que, tenho certeza, lutarão para que outras "manas" possam viver livres e felizes.


Precisamos de mais gente como você. Quem dera se todos fossem fortes, Samy."


Conhecimento é conquista.

-FS

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